terça-feira, 15 de setembro de 2009

Lápis de cor


Eu sempre tive essa mania de relacionar cores a sentimentos, gestos e pessoas. Tenho um leve daltonismo, mas gosto de ter meu mundinho à parte, com meus tons, meus pincéis malucos. Música pra mim é lilás, assim como a inspiração. Saudade é de um azul profundo; coragem é vermelho sangue e, paz, apesar do senso-comum associar com branco, é verde-floresta.

Tias são azul escuro com bolinha vermelha, namorados são jeans e namoradas são florais. Mãe é cor de serra vista de longe, daquelas que dão mistura de azul e rosa. Avô é azul turquesa e pais são verdes, muuuuuuuito verdinhos. Para irmãos não tem coloração definida, porque não é primário. São muitos tons, misturados, agitados, alegres. Criança tem cor de mar em dia de sol forte. Amiga é rosa, e não tinha como não ser diferente. Amigos são laranja forte e, desafetos, amarelo fosforescente.

A inteligência é ruiva. Chefe é roxo. Inveja é transparente. Chatos são daquela cor desbotada de shampoo rinse. Solidão tem cor de dia frio quando nasce. E a morte é de um branco quiboa desesperador. Já a alegria, ah... ela veste estampado de floral verde e rosa, enquanto a tristeza, daquelas de verdade mesmo,  bege clarinho. A beleza é mel. E a poesia é vermelho e rosa-fúcsia bem dosados, como um quarto parisiense. Sexo é dourado. Carinho é listrado de cinza e rosa e bebês tem cor de dia com vento. Palavras, coisa que amo, têm aquele verde azulado das viagens. Livro tem cor de anoitecer, assim como casas têm cor de amanhecer...

Minha raiva é vinho rubi bem concentrado e o meu amor... também. Meu desespero lembra uva seca e meu cinismo é preto com amarelo. A impaciência que me consome é rosa-choque-Rita-Lee. E a angústia não tem cor nenhuma, é oca, como um olhar triste. Minha preguiça tem cor de sofá verde, velho e aveludado e minha fome é amarelo-ovo. Beijo tem cor de doce de buriti fervendo em tacho de cobre. Mas, tem uma coisa que me intriga: qual é a cor de abraço?

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Elétrica, solar e eólica?

Oi Aline,

Sabe, eu sempre torci o nariz para essa expressão: "energia"

- Nossa! A energia desse lugar é incrível!
- Você viu a fulana hoje? Tá com uma energia tão negativa.

Parece papo de esotérico.
Era assim até ontem.

Tô atravessando uma fase negra.
Inferno astral é eufemismo.
Mas bastou ver aquele seu sorriso de 5.000 volts pra eu sentir a energia.
Uma energia boa.
Que veio em ondas.
E que, por um breve momento, me fez esquecer os perrengues.
E me fez acreditar tudo vai ficar bem no final.

Beijos.
Muito bom te ver.
Mesmo que de relance (aquela fila de carros atrás de você iria te apedrejar se demorasse mais um pouco)


Recebi esse e-mail de um amigo querido, que tem um interior sensível e lindo. Um amigo que vê a vida com a dignidade de um leitor interessado e que tem uma sensibilidade fantástica. Um amigo de quem já fui mais próxima e com quem passei manhãs adoráveis e compartilhei alguns dos meus melhores cafés da manhã. Resolvi dividir essa carta carinhosa com vocês porque, justamente hoje, pensei em escrever sobre energia.

Com essa história de ser 09/09/09, engatei um papo astral com um colega de trabalho e chegamos a conclusão de que as pessoas, independente do que pescam vida afora, trazem essa coisa visceral (que resolvemos chamar de energia), essa identidade espiritual e não escapam de ser o que são. Somos alegres ou não. Somos contidos ou não. Somos falsos. Somos tristes. Somos decepcionados. Somos amargurados. Somos artificialmente felizes. Somos belicosos. Somos ariscos. Somos. Mas, acima disso, trazemos essa energia e ela fica tatuada, colada, como uma roupa da qual não se despe.

Meu amigo foi generoso comigo. Mas, sou alegre sim, até quando sou triste. E não, não há escapatória para o meu “ser”. Talvez seja essa minha sina, talvez seja essa a grande piada da minha vida. Comentava com esse colega de trabalho sobre como somos impotentes diante desse espelho que são as pessoas com as quais convivemos, de como é inútil tentarmos “parecer”.

É engraçado porque, na semana passada, escrevi um texto aqui no Caneca sobre a angústia de um personagem imaginário, uma mulher que sofria por ser obrigada a calar sentimentos e que era confrontada com a atitude de uma amiga que lhe desejava silêncios, quando sua necessidade era o grito, o desabafo. Texto mais pastoso, diferente dos costumeiros e digeríveis devaneios habituais do blog. Muitos amigos me escreveram ou comentaram que o texto não tinha nada a ver com comigo. Um deles me escreveu via depoimento no Orkut: “texto denso, diferente de tudo que você escreve. Você sempre usa leveza e muita ternura.”

Talvez a alegria seja mesmo minha marca mais ressaltada, pelo menos para alguns amigos que, como este do e-mail acima, me lêem com generosidade. Tenho “eus” mais sorumbáticos e impacientes e amigos menos magnânimos. Mas, não posso negar que alimenta minha fé a idéia de um sorriso melhorar o dia de alguém. Se isso é energia, caro amigo do e-mail, fico feliz de ter uma assim. Mas, é preciso dizer que quem tem a sensibilidade de alterar seu próprio dia por causa de um sorriso, tem de ter uma energia melhor ainda.

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Recorte


Ela me desejou silêncios. Estiquei o braço, virei o botão pra direita e aumentei o som. E a música foi avançando rumo as paredes, me cercando, envolvente, atordoante. Deixei cair meu corpo magro no chão frio, encolhida, olhos cerrados e vi quando as lágrimas, temerárias, decidiram beijar o assoalho. “Basta um dia, somente um dia...”, Chico dizia, enquanto a dor disputava espaços dentro de minha alma tão cansada de momentos-zumbi, de passados burros, de escolhas tortas.

E eu que odeio relógios desejava vorazmente as horas, muitas delas amontoadas num saco de lixo repleto e pronto pra ser jogado fora. Naquela madrugada, desejava o dia e mais um. E mais outro. E outro ainda. Folhas do calendário arrancadas poderiam aplacar meu fracasso? Dias riscados dariam fim a frustração do não, à impotência do não-ser?

Ela me desejou silêncios. E eu ardia. E eu queria risos. E eu queria sussurros. E eu queria, queria, queria... não querer. “Basta um dia, somente um dia...”, o homem-do-olho-de-mar se solidarizava com meu corpo doído, um tanto gelado, magoado, arranhado, faminto. Não havia vontade pra vontade de correr, não havia paz na noite, nem sol suficiente para que fosse dia. E ela me desejava silêncios?!

De repente calou-se, zangado. Não bastaria um dia. Não haveria dia! E meses, anos, séculos ficariam tatuados pelo chão frio. Mas uma calma absoluta foi se entranhando nas horas emburradas, preguiçosas, até que, enfim, a madrugada sorriu. Porque ela me desejou silêncios.