terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

Simples

Ontem, fomos ao clube com minha sobrinha, a Lara. Ela veio passar o Carnaval e, como sempre acontece quando ela está por perto, os dias ficam estranhamente arejados, leves. Arrumamos a tralha toda, que incluía sua filha - a boneca Bia -, e pegamos a estrada para que ela pudesse curtir um dia de sol e piscina. No meio do caminho, decidimos cantar uma música que ela adora, Fui ao Mercado, da Eliana. Aos risos, íamos todos acompanhando as peripécias da formiguinha que ataca pés, mãos e até o bumbum de quem se atreve a comprar itens bem rimados no mercado.


Não sei se já sentiram isso, mas, naquele momento, tive a certeza absoluta de que sou feliz. À noite, já em casa e com o corpo cansado de um dia bom, me ocorreu que somos felizes – fundamentalmente felizes. O que acontece muitas vezes é que permitimos que um pneu furado, um irmão irritado ou um chuveiro quebrado nos impeça de perceber isso. Tudo estava feliz, mas acontece alguma coisa e pronto... felicidade foooooi se embora!

Refletindo sobre isso, vi o quanto é estúpido esse raciocínio. A felicidade é. Presente do indicativo. É um estado de alma. O que acontece no meio do caminho não deve ter o poder de ofuscar essa consciência. Mesmo a morte – sempre tão devastadora, tão branca, tão engordurada – devia ser encarada como um parêntese desse momento.

É dilacerante perder alguém que a gente ama, a vida fica negra, mas, se juntando todas suas forças conseguir um pouco de discernimento, vai ver que as crianças estão sorrindo do mesmo jeito, que o cachorro tem fome, o vento ainda pode te refrescar a alma e que um ensopado é confortador. Vai compreender que as pessoas que ama estão nessas pequenas coisas. No fundo, ainda será feliz, apesar de. Porque, eu acredito, o segredo da vida, é ser simples. Entendê-la com a simplicidade de quem sabe que contra algumas coisas não é preciso lutar. É isso. Simples assim.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Velas na janela

Assim que fizer noite acenderei pequenas velinhas e as colocarei na janela. Vou reproduzir, ainda que solitariamente, uma tradição linda da minha infância. Eu morava numa cidadezinha pequena e charmosa e, todo dia 2 de fevereiro, assim que a noite caía, velas e candeeiros acesos eram dispostos nas janelas em homenagem a Nossa Senhora das Candeias ou Nossa Senhora da Luz. Me lembro de me debruçar no peitoril da janela pra ver a rua toda iluminada e, ainda que eu não soubesse que aquilo remontava à purificação da Virgem, acho que era, justamente pureza, aquela sensação que enchia meu coração.

Hoje eu sei que a festa começou há milhares de anos e lamento que ela seja rejeitada por boa parte da população. Na época de Moisés, acreditava-se que mulheres que davam à luz ficavam impuras e, por causa disso, deviam comparecer até 40 dias após o nascimento de seus filhos a um templo carregando oferendas como cordeiros e pombos. Quando Maria, mãe de Jesus, foi se purificar, Simeão teria dito que seu filho seria a luz dos povos, daí a origem da história.

Trombei de novo com a tradição de Nossa Senhora das Candeias quando morei na Europa. Por lá, a vela é dada a mulher mais jovem da casa, que representa a virgem. Vestida de branco e com uma grinalda de flores na cabeça, ela acorda as pessoas da família para comerem crepes. Com isso, os mais antigos pensavam garantir uma boa colheita de trigo. La Chandeleur é bem familiar e aprazível, ainda que a maioria das famílias se atenha simplesmente à feitura dos crepes.

Me incomoda viver numa cidade que ignora tradições e cuja religião é a novela das oito. Mas, como ladrar apenas não muda meu destino, hoje acenderei velas na janela.