sábado, 20 de março de 2010

Vivendo-me

Não sei ao certo em que situação meu amigo Rimene usou pela primeira vez a expressão “Aline vive-se!” Nem sei se ele chegou a repeti-la. Também não tenho certeza se ele estava fazendo um elogio, mas, como é bem do meu feitio lenir, o fato é que a locução colou e, hoje, virou sinônimo de uma outra frase (que eu amo!) muita usada pelos belgas: Fais-toi plaisir (faça prazer a você mesmo).  Me lambuzo com isso!

Que os apressados não pensem que, por isso, eu passo em lojas de relógios caros ou roupas deslumbrantes, saco o cartão de crédito e compro o que vejo pela frente, apesar do meu saldo digno de jornalista. Não saio por aí fazendo o que me dá na telha, como uma adolescente que se acha imortal, assim como não faz meu estilo beber até cair ou coisas do gênero.

"Vivo-me" quando presto atenção em mim mesma e identifico o que me faz feliz. Ou sei que uma atitude vai respeitar os desejos do meu coração, apesar do que está marcado na agenda. Não tem nada a ver com preguiça, pois, em muitos casos, "viver-me" significa passar horas cozinhando para quatro ou cinco amigos – mesmo sabendo que é bem mais confortável combinar de encontrá-los num bar ou restaurante. "Vivo-me" no tempo em que me permito, me enxergo (e aos meus) como merecedores das coisas que considero boas.

"Viver-se" é gostar de sua própria companhia numa sexta à noite que não promete muito mais que um bom vinho, uma pizza light de supermercado ou um filme por acaso na tevê. Eu "vivo-me" quando me sou licença para dizer não a um monte de coisas no fim de semana só para ficar em casa. Ou o contrário. "Vivo-me" ao tomar um chá prestando atenção nele, no aroma, no gosto, na temperatura da caneca que aquece minhas mãos.

Sei que parece simples. Mas estou convencida de que há muita gente que não se faz prazer para dar prazer aos outros. Estou igualmente certa que isso não é altruísmo. Muitas vezes esse comportamento é, simplesmente, insegurança. Medo de desagradar. Talvez seja só uma desculpa pra reforçar minha tese, mas prefiro acreditar que se você está bem, a qualidade do que passa de você mesmo aos outros é melhor.

Quero, com isso, dizer apenas que é simples ter bons momentos e que o pouco basta, desde que saibamos curtir e valorizar os instantes que nos fazem bem. Clarice Lispector já havia dito que simplicidade dá muito trabalho. Estou de acordo. É uma atividade árdua, mas, uma vez lá, pode significar felicidade.

quarta-feira, 10 de março de 2010

Memória de alma

Não sou muito boa com datas. Ainda não aconteceu, mas sou o tipo de pessoa capaz de esquecer o próprio aniversário. Penso muito nas pessoas que eu amo, mas tenho uma nítida dificuldade de ir até elas ou de, na correria do meu dia, dar um telefonema, saber como está a prima operada, a amiga que eu adoro ou, enfim, dar a devida atenção aos meus. Descobri recentemente que isso se deve, em parte, ao Distúrbio do Déficit de Atenção (DDA), mas isso é outra história.


Toco no assunto para falar do que me ocorreu nas últimas semanas. Sonhei insistentemente com meu irmão, o Léo. Há três anos, ele morreu vítima de complicações da diabetes aos 24 anos. Nem preciso falar do golpe que foi perder o menino doce, genioso, engraçado, caridoso, simples. No dia 10 de março de 2007, o telefone tocou por volta das 9 horas e então eu soube que o Lelecotreco não estaria mais nas nossas vidas como sempre esteve.

Depois de alguns sonhos, onde ele sempre se fazia presente em conversas, aventuras ou em simples visões, percebi, claramente, que minha cabeça pode até falhar, mas minha alma tem memória boa. O espiritismo talvez explicasse isso como um desprendimento do corpo que, ao dormir, liberaria meu espírito para o contato com esses entes já em outros planos espirituais. Há quem defenda que a informação estava latente e que o sonho é uma forma do cérebro me alertar para a data importante.


As duas coisas podem ter acontecido. Mas, acho apenas que o amor nos liga e, hoje, acordada e consciente, vou fechar os olhos e pensar nele, em nós. Sei que entenderá que o amo e que é esse sentimento que nos torna irmãos, independente dos mundos que frequentamos.