quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Teoria do abraço


Era uma vez uma princesa que se apaixonou pelo príncipe errado e fim da história. Era uma vez um príncipe que amou a princesa que preferia, mil vezes, o sapo. Era uma vez um príncipe que preferia o sapo, por falta de outro príncipe na história. E assim são os contos de fadas modernos, reflexos desses amores verdes de hoje em dia, tão distantes daqueles amores “feinhos” descritos por Adélia Prado.


Amor, por princípio, devia ser algo simples, porque amor a gente dá e pronto. Não exige retorno e independe do consentimento do outro. Eu amo. Ponto. E isso não obriga ninguém a me amar também. Amo o outro integralmente. A gente age assim com pais, sobrinhos, irmãos, amigos, mas por que é tão difícil abandonar a idéia de contrapartida quando estamos com alguém? Por que gostamos tanto de provas de amor? Por que medimos, mesmo que inconscientemente, o amor? O cinema nos faz esperar um príncipe que fez burrada, louco e desesperado, correndo pra nos impedir de embarcar rumo a um destino sem ele? Por que, nem sempre, valorizamos o amor simples que, como no poema de Adélia, “tudo que não fala, faz”?


Eu não tenho as respostas, mas andei pensando sobre isso ao conversar com minha sobrinha Lara que, do alto dos seus 5 anos, me dá algumas lições valiosas sobre a essência da coisa: a simplicidade. “Tia Nine, quando estou com saudade de alguém que não está perto, eu faço assim”, ela me disse enroscando os braços em torno do pescoço. “Daí eu fecho os olhos e passa”, revelou a técnica que usa, principalmente, quando sente falta da vovó. Alguém pode me dizer o que pode ser mais simples do que esse gesto de amor incondicional, que não exige sequer a presença do outro?


Não vou tecer teorias sobre os porquês da bagunça emocional que atinge um monte gente. Suposições demais pra vida real. Mas, vou me permitir um palpite: falta nos casais a simplicidade do amor feinho, de Adélia, da minha vó, da sua, de gente forte que decide amar sem firulas, sem o cinema, sem essa de príncipe e princesa. Porque o amor feinho, se você pensar bem, deve ser o que acontece nos contos de fada depois do “e foram felizes para sempre.”



Eu quero amor feinho.
Amor feinho não olha um pro outro.
Uma vez encontrado, é igual fé,
não teologa mais.
Duro de forte, o amor feinho é magro, doido por sexo
e filhos tem os quantos haja.
Tudo que não fala, faz.
Planta beijo de três cores ao redor da casa
e saudade roxa e branca,
da comum e da dobrada.
Amor feinho é bom porque não fica velho.
Cuida do essencial; o que brilha nos olhos é o que é:
eu sou homem você é mulher.
Amor feinho não tem ilusão,
o que ele tem é esperança:
eu quero amor feinho.

Adélia Prado

9 comentários:

Mayara Vila Boa disse...

Lindo texto!
Adorei e concordo: "Amor, por princípio, devia ser algo simples, porque amor a gente dá e pronto. Não exige retorno e independe do consentimento do outro."
Acho que amor é isso mesmo, algo que não precisa de grandes feitos ou muita pompa para acontecer. Um dia você olha nos olhos do outro e ele está lá. Sem avisar e já é amor.
Não conhecia o poema, achei um máximo.
bjos

Paulo Marques disse...

É Nina. amar é tão simples quanto viver e sentir coceira nas costas. O lance é que gente nasceu para querer por glacê no bolo, senão ele fica feinho e perde a graça.
Nós gostamos de desafio, de lenga-lenga e de muita gordura e açocar para perder na esteira ou ergométrica, enquanto sonha com um belo dia de piquenique no bosque.
Gente gosta do que não existe, ou do que é complexo demais para estar à sua frente agora mesmo, bastando apenas esticar um pouquinho para sentir o abraço.
Gente gosta de ouvir "Eu te amo", mas não um eu te amo qualquer. Tem que ter flores, serenata e passeio de pedalinho num lago cheio de cisneis brancos.
Perdemos a graça de amar em si mesmo. De olhar para uma amiga ou amigo e se sentir feliz por tê-los por perto. Dar aquele abraço gostoso que por meio segundo te leva ao céu e te faz sentir importante no coração de alguém. Presentear sem data comemorativa só para ver um sorriso se abrir, mesmo que este presente seja uma arrumação na mesa do colega. Dizer "Eu te amo" com todo carinho, pois amamos de verdade muito mais gente do que imaginamos, cada um de forma diferente.
Por isto que não perco oportunidade de dizer, da minha maneira, o quanto eu amo você, Chuchu.

Beijos! Belíssimo texto (assim como os outros que cria)!

Paulo

Luisa Dias disse...

É... a gente complica demais, pede demais e quer demais. É o mal de uma geração de insatisfeitos. Como seria bom se a gente estudasse Adélia Prado na escola, ainda pequenos, para esperar da vida o que ela nos dá. Às vezes a Lara está estudando, né? Bjos!

Gra Porto disse...

Quero tanto um amor feinho, rs.

Rodrigo Alves disse...

Bravo!, Aline. Bravo!

Patrícia Papini disse...

Show demais ! Você vai ter um amor feinho, Nina, com cheiro de panela de feijão no fogo e marias-sem-vergonha de todas as cores plantadas no jardim. Você vai ter uns filhos terríveis - porque não há nada mais lindo do que criança sapecas - e um amor que vai ser forte, talvez sem muitas promessas, mas com muitas realizações, porque, no final, é isso o que importa mesmo. Você vai construir um amor sem nem ver, assim, no passar dos dias, sem idealizações, pois elas já te decepcionaram demais e vc merece é a felicidade do mundo real: talvez nem tanto glamour ou firula, como vc mesmo diz, mas o dormir aconchegado, depois do trabalho suado e da eventual cerveja honesta, e abençoado por Deus, que sei que é tudo o que vc quer. E haverá de ter em breve. Feliz aniversário, a propósito ! Te amamos, Jr, Luísa e eu.

Deire Assis disse...

tudo assim, do jeito que você deseja.

e eu quero te dizer há tempo! sua sobrinha é um espetáculo! vejo sempre fotinhas suas com ela no orkut... além de linda, perspicaz demais!

Rimene Amaral disse...

É, Gal... amar a quem... amar o que... amar como... amar até quando... Acredito que quando começamos a entender a vida, como ela realmente é, passamos a deixar a simplicidade de lado e agir da forma mais formal possível. É como se, aos 15 ou 16 anos, sei lá, no auge da adolescência, que a gente acha que é dono da razão, nos fosse dada uma cartilha com todas as formas de amar. Daí, sempre quando encontramos alguém que supostamente valha a pena, a gente vai lá na página sobre as personalidade e começa a amar da forma como manda o figurino. Parece que a vida nos torna burros para certas decisões, sob certos aspectos. Algum tempo atrás também pensei nisso e descobri uma coisa: basta amar! Independente de quem, o que, como e quando. Basta amar!

Gilvane disse...

Adorei o texto.
Sua sobrinha tem razão: amor incondicional!
Há muito considero isso um ideal, mas sempre páro no 'como'.
Não basta amar, sempre queremos ser amados. E, mais do que isso, queremos ter certeza de que somos amados, desejados, necessários.
Parece tratar-se de um atavismo de nossa espécie, algo mais forte do que a vontade, oriundo da noite dos tempos.
Arrisco-me a dizer que talvez seja pela necessidade de aplacar as angústias existenciais básicas que nos afligem, desde que desenvolvemos alguma auto-consciência: a nossa inescapável condição de solidão, a inevitabilidade da morte e a inquietante ausência de qualquer sentido óbvio para a vida.
Bem, em relação ao porquê, parece que o conhecimento humano avançou. Resta o 'como', como amar incondicionalmente? Pra mim, permanece um ideal e, como tal, inatingível, infelizmente.