domingo, 15 de junho de 2008

O homem da bicicleta vermelha

Escrevi esse texto outro dia, depois de chegar do Bosque dos Buritis:

Tenho 35 anos e um amigo invisível. Saí cedo hoje pela manhã depois de tomar meu capuccino quente acompanhado de duas pequenas torradas, que não consegui comer por completo. Peguei a bolsa, a chave, o mp3, o livro de Betina Henrich e fui fazer minha leitura no Parque dos Buritis. O homem junto. A bifurcação da rua 8 com a 6 estava calma aquela hora da manhã. Um passante me questionou secamente sobre a localização da 4 com a 9 e eu respondi prontamente me perguntando se ele notaria que eu estava acompanhada pelo tal invisível. Não pareceu perceber nada quando tomou o rumo indicado por mim. Seguindo pela 8, cruzei o porteiro do Porto Seguro, cumprimentei-o, escolhi o lado ensolarado da rua e fiz meu caminho habitual até o parque... mas, nada parecia comum ou ordinário nesse dia em que eu já acordei com o tal. O sol estava mais atraente, notei o vendedor do quiosque de coco pela primeira vez na vida e reparei que o aposentado que ia a minha frente parecia ter saído da farmácia com seu pequeno andar cambaleante. Vi uma doméstica acompanhar uma criança com cara enjoada até a escola e no fim da rua fui surpreendida ao ver um monte de crianças a fazer ioga bem ao lado do meu banco, da minha árvore. E achei lindo, apesar do barulho me impedir de ler!Era obra do tal, certamente. Logo eu que ando tão apressadamente, passar agora a reparar nesse cotidiano que me cerca, nessas pessoas que compõem meu cenário. Hum.Peguei o livro, abri na página 86 pensando que enfim o infeliz me daria sossego. Deu não. Sentou lá e ficou remoendo meus pensamentos, atormentando minhas idéias, contaminando uma por uma com seus futuros.Foi quando o rapaz da bicicleta vermelha chegou. Estava vestindo uma calça jeans e uma destas camisetas que de tão usadas não são mais de cor nenhuma. O tal ficou me obrigando a olhar o rapaz de um jeito interessado. E parecia mesmo me contar coisas sobre aquele homem que eu, por isso, sabia digno, desempregado, cheio de filhos e quem eu adivinhava puro pelo jeito simples em que apoiou o cotovelo no guidão e colocou uma das mãos no queixo. Parecia hipnotizado pelos jatos de água que saíam bem do meio do lago. Ficou ali parado enquanto o tal-que-ninguém-vê de tão emocionado acabou me obrigando a chorar aquela história tão escancarada desse homem encantado com um parque no meio de uma cidade que o ignorava. E voltei pra casa pelo mesmo caminho me questionando porque meus olhos estavam durante tanto tempo embaçados pela falta de sonhos... passei pelo mercado, ainda acompanhada do tal, que me aconselhou pilhas alcalinas gold ao invés de máster. Parei no banco pra um depósito e, com mais 50 passos, encontrei meu prédio. Mesmo debaixo de um sol forte, esse edifício acanhado e com a pintura amarela já envelhecida, dava ares de sombra e reconforto. O homem entrou antes.

Um comentário:

Demas disse...

Aline,
que delícia de texto: ouço você falando, sabia?
Beijo.